Por Fausto Brites
“Geada, morte e prejuízos: é o frio que trouxe a morte”. Esta foi a manchete principal do Correio do Estado na edição de 19/20 de julho de 1975, uma sexta-feira. Há 40 anos (material publicado em 2015), Campo Grande e alguns municípios do então Mato Grosso enfrentaram o pior dos invernos.
O frio era intenso. Às 7h30min passei por uma construção onde alguns operários estavam parados, esperando “aparecer um solzinho” para iniciar as atividades. Desci e, em uma caixa-d’água, eles mostraram a água transformada em gelo, que, com uma pá, quebrei e fotografei. Continuei minha maratona até que, no Bairro do Cruzeiro, vi o terreno na Rua Santa Maria coberto pelo gelo. Conversei com o morador, que calculou ser camada de quatro centímetros. Sua esposa contou que havia deixado um balde com água fora de casa e encontrou apenas uma pedra de gelo. Mais uma vez acionei minha inseparável Yashica e fiz várias fotos.
O intenso frio vinha deixando sua marca trágica desde o início daquela semana, tanto é que na madrugada de quarta-feira (dia 17), quando a temperatura registrou 1,8 grau, duas pessoas morreram: um carpinteiro, que, depois de deixar um bar, acabou caindo em uma das ruas da Vila Margarida, e um idoso, no Bairro do Cruzeiro, que morava num barraco.
Na quinta-feira, um outro corpo foi encontrado, desta feita, um morador de rua que tentava chegar ao albergue. Morreu próximo ao local. Ao seu lado, foi encontrada uma pequena trouxa, contendo seus documentos e um pedaço de pão.
Na edição de sexta-feira, a matéria principal: “Enquanto alguns pontos do município de Bandeirante viviam a primeira nevasca da história de Mato Grosso, no período compreendido entre as 6 horas e 8 horas da manhã de anteontem, Campo Grande amanhecia ontem coberta por uma fina – em alguns casos, camada grossa – camada de gelo, originada da baixa temperatura, que atingiu dois graus negativos”.
Segundo ainda a reportagem, “nas ruas da cidade, aqueles que acordaram mais cedo ou saíram antes das 7h30min puderam ver nos tetos dos automóveis a camada de gelo formada durante a madrugada. O Serviço de Meteorologia da Base Aérea, por seu turno, indicava a temperatura mínima: um grau e meio abaixo de zero. A mesma fonte, baseada em seus arquivos, garantiu que a última frente de igual intensidade, que atingiu Campo Grande, ocorreu há cerca de 20 anos, ou seja, em 1955”.
A cafeicultura nascente, segundo o Correio do Estado, agonizava por causa da geada. A reportagem ouviu o cafeicultor Gabriel Abrão. Eis o trecho da reportagem: “A cafeicultura do sul de Mato Grosso acabou; a geada queimou tudo. Foi um desastre total. A afirmação foi feita ontem pelo cafeicultor Gabriel Abrão, proprietário da maior área plantada com café, que afiançou que ‘não ficou um pé sem queimar’. Isso significa que, para o próximo ano, a sua produção calculada para 30 mil sacas ficou também reduzida a zero. ‘O café só voltará a produzir dentro de dois anos, mas se ocorrerem mais uma ou duas geadas, o pé morre e a fatalidade estará completa’”.
Na oportunidade, Gabriel Abrão disse que a geada apenas tinha acabado com a produção, mas outras podiam acabar com os cafezais recém-formados. Segundo ele, seria a primeira colheita de maior expressão dos cafezais plantados com financiamento do Banco do Brasil, dentro de um projeto lançado dois anos antes.
A estimativa de perda foi de 40 milhões de pés liquidados pela geada. Os prejuízos, na época, eram inestimáveis e Gabriel disse que sua perda seria em torno de 5 milhões de cruzeiros.
Em Corumbá, o gado estava morrendo no Pantanal. Segundo a reportagem, alarmava os pecuaristas novatos, mas não os mais experientes, que já previam a mortandade estimada, até o fim do frio, em 20 mil cabeças, o que seria relativamente pequeno em relação ao número de reses mortas na última enchente, que foi de aproximadamente 300 mil animais. Em Rochedinho e Nova Andradina, entre outros municípios, também foram registradas mortes de gado pelo frio.
Em Dourados, a quinta-feira foi também de muito frio e preocupação da população com os eventuais prejuízos na pecuária e lavoura. No município de Ponta Porã, a temperatura registrada foi de quatro graus abaixo de zero, causando desolação aos produtores rurais, principalmente aos triticultores, os quais estimavam que teriam perda considerável na lavoura.
A reportagem do correspondente informava que a região de Dourados era a de maior expressão na criação de gado nelore puro e as perdas, segundo levantamento preliminar, eram grandes. As pastagens também tinham registrado danos consideráveis.
A cobertura desse período que causou mortes de pessoas e animais, além da produção agrícola, foi um trabalho de equipe, conforme o Correio do Estado na edição daquela sexta-feira: “O levantamento sobre a onda fria, em Mato Grosso, é dos redatores Antonio João Hugo Rodrigues e Montezuma Cruz. As fotos de Hordonês Echeverria, Fausto Brites, Antonio Hugo e Jorge Sayegh. Os correspondentes Byron de Medeiros (Ponta Porã), José Feliciano Baptista (Corumbá), José Santos Rocha (Dourados) e Paulo Tarso H. Rodrigues (Bandeirante).
(Publicada no jornal Correio do Estado no dia 26 de outubro de 2015)