O “Campo Grande Jazz Festival” é uma criação de Adriel Santos e Franciella Cavalheri. Os dois são casados e artistas. Ele baterista e ela bailarina. Juntos na vida e na arte, Adriel e Fran irão produzir o primeiro festival de jazz campo-grandense entre os dias 25 e 31 de março. O evento vai levar shows para os terminais de ônibus e também para o Armazém Cultural, na Esplanada Ferroviária, no centro de Campo Grande.
A dupla de produtores é atuante na cena cultural da capital de MS. Adriel é integrante do El Trio ao lado de Gabriel de Andrade e Gabriel Basso. O grupo se dedica ao estilo tradicional e vem há anos fomentando o jazz em Campo Grande. Além de músico, Adriel também é fotógrafo, produtor, engenheiro de gravação e mixagem e um dos técnicos de som mais requisitados de MS. Já Fran fez inúmeras contribuições de criação na Cia. Dançurbana e atuação no Conectivo Corpomancia desde a sua criação, em 2008.
Abaixo os dois revelam suas expectativas para a realização da primeira edição do “Campo Grande Jazz Festival”, analisam questões referentes ao evento e comentam sobre a programação, os convidados e a feitura do festival.
Como surgiu a ideia de fazer o primeiro festival de jazz de Campo Grande?
Adriel Santos: O festival nasce após a gente detectar que não havia eventos dedicados ao jazz em Campo Grande. Começamos um movimento na cidade com a banda El Trio e a cena foi crescendo e não existia um festival que pudesse representar a cena local. Eu via acontecer festivais de jazz em muitas cidades e em Campo Grande nenhum evento para este estilo musical. Em uma volta de viagem a São Paulo abriu o edital FMIC e eu falei para a Fran para concorrermos com um festival de jazz porque a cidade de Campo Grande precisa. O jazz é patrimônio da humanidade e no mundo inteiro tem festival de jazz. O jazz é um estilo musical que faz parte da cultura musical do ser humano e a gente em uma cidade que é uma capital, em pleno 2024, não ter nenhum festival de jazz me deixa envergonhado enquanto músico, produtor e artista campo-grandense. Ter um festival de jazz é algo culturalmente básico.
Como será o formato do festival?
Franciella Cavalhieri: O ‘Campo Grande Jazz Festival’ terá duas etapas. A primeira etapa será nos terminais de ônibus com três atrações de Mato Grosso do Sul: Barah Trio, El Trio e a banda Urbem. Já na segunda etapa, realizada na Esplanada Ferroviária, o público vai poder assistir a shows tanto dos artistas sul-mato-grossenses El Trio, Urbem e Barah Trio, quanto dos convidados de fora do Estado, o Edu Ribeiro Trio de São Paulo e os internacionais Katie Thiroux Trio e Ryan Keberle, ambos dos Estados Unidos. Ainda teremos a banda DDG4, de São Paulo, quarteto liderado pela Dani e Débora Gurgel, que são mãe e filha. No domingo, aproveitando a vinda do DDG4, já que elas são professoras e transitam nas universidades, decidimos no domingo fazer uma “Café Musical” na parte da manhã. A ideia é aproximar pessoas interessadas, estudantes e o público em geral, para que tenham este contato direto, conversando sobre música com estes artistas do quarteto, que inclui o baterista Thiago Big Rabello e o baixista Sidiel Vieira. E também demonstrando para a plateia, na prática, o que eles fazem no palco. Este encontro matinal no domingo é outra atividade dentro deste projeto que a gente tenta integrar a comunidade.
Quais os critérios para chegar aos músicos convidados da primeira edição do festival?
Adriel Santos: Montamos a “line up” da primeira edição do ‘Campo Grande Jazz Festival’ com a intenção de ser fácil de assimilar e assistir, além de também começar pelas origens. O jazz é mundial, com excelentes artistas no mundo todo, mas nesta primeira edição nós queríamos que viessem a principal escola que são os norte-americanos, que estão na origem do jazz. E quando fui escolher os artistas, conversando com amigos, eu queria que viesse um músico norte-americano mas que tocasse jazz tradicional. E foi quando surgiu o nome da Katie Thiroux, que é uma contrabaixista e cantora de Los Angeles com um trabalho muito voltado ao jazz tradicional. Acho importante nesta primeira edição a gente ter esta base, a textura do jazz tradicional. Vamos ter também o Edu Ribeiro Trio de São Paulo. Ele é um artista de renome mundial com mais de um Grammy e faz parte do Trio Corrente, que representa muito o nosso país na música instrumental e optei por trazer o Edu Ribeiro Trio porque a textura do som deles tem muito a ver com o jazz tradicional, mas tem a pegada brasileira. Também teremos um trombonista de Nova York, o Ryan Keberle. É um músico da nova geração, mas super aclamado pela crítica e ele permeia o jazz tradicional com o jazz moderno. O trombone é um instrumento que a gente vê no jazz tradicional mais nas big bands e o Ryan está vindo em formato de quarteto. O festival vai ter artistas também de Campo Grande. O El Trio é o único grupo de jazz tradicional de MS, a Urbem que transita entre o jazz tradicional e moderno e a música brasileira e também o Barah Trio que é liderado por Júnior Mattos e faz um trabalho excelente.
Falem um pouco do DDG4, supergrupo de São Paulo.
Adriel Santos: É uma alegria poder ter o DDG4 no festival, um grupo que eu escuto e respeito muito. Que é a Dani e Débora Gurgel Quarteto. Eles fazem música brasileira da pesada e foram aclamados em várias turnês internacionais pela Ásia, Estados Unidos e Europa. Trazer o DDG4 na primeira edição é de grande importância para o festival. Estamos muito felizes também com a presença deles.
Por que vocês decidiram realizar apresentações nos terminais de ônibus de Campo Grande?
Adriel Santos: A ideia de levar as intervenções musicais para a rua nesta primeira etapa do festival é algo que eu quero há muito tempo. Porque o jazz nasceu na rua e ele precisa estar na rua. É assim no mundo inteiro e, por isso, quando idealizamos o festival um dos itens que mais nos animou é conseguir levar o jazz para a rua. Então as pessoas vão descer do ônibus no terminal e vai estar rolando as performances de jazz com todo mundo improvisando e todo mundo vai poder ver isso de pertinho, tendo acesso a uma “jam session”, o que é uma tradição do jazz. Levar o festival para os terminais de ônibus é uma maneira de mostrar que o jazz não é algo elitista. A elite se apropriou, mas o jazz vem do gueto. Sempre ressalto que gosto de tocar na rua para devolver o jazz de onde ele saiu. O jazz é da rua e por isso insisto que este estilo musical precisa ser levado para as pessoas que trabalham na rua e não tem acesso a um teatro, bares ou restaurantes. O festival vem para fazer isso também e dar oportunidade para todos acessarem o jazz e não só a elite.
Todas as atividades do festival serão gratuitas?
Franciella Cavalhieri: Sim! Este projeto foi contemplado pelo Fundo Municipal de Investimentos Culturais (FMIC) e, por isso, todas as atividades do festival são gratuitas. Este tipo de investimento por meio do fundo é muito importante para que a gente consiga, enquanto artista, fomentar a cultura de nossa capital.
Como será a estrutura que o público vai encontrar na Esplanada Ferroviária?
Adriel Santos: Quando a gente escreveu o projeto já prevemos de cara que o festival fosse na Esplanada porque é um local onde todas as pessoas se encontravam e tudo chegava por ali. A ideia é reunir as pessoas novamente neste local histórico de Campo Grande. Então estes shows da segunda fase do festival vão acontecer dentro do Armazém Cultural, na Esplanada, que é um galpão muito grande. Nosso objetivo é deixar o lugar mais íntimo, com uma proximidade maior entre os músicos e a plateia. Por isso, vamos dividir o espaço no meio, vamos ter cadeiras para a plateia e uma arquibancada bem pertinho do palco. Vai ter também um tratamento acústico para que a experiência musical seja muito boa para quem for ao festival. Queremos proporcionar uma verdadeira imersão no jazz para a plateia.
Por que o festival decidiu homenagear o Miguel Tatoon, o Miguelito, artista pioneiro do jazz em MS, e qual a importância de ter uma ação deste tipo?
Franciella Cavalhieri: A gente percebe enquanto artista uma carência que tem em Campo Grande e no Estado de MS que é a preservação da memória. Somos artistas que no dia a dia vamos pulverizando o nosso saber na tentativa de fomentar o senso crítico deste lugar e às vezes a gente se pega esquecendo de quem esteve construindo anteriormente. É esta consciência de que ninguém está inventando a roda, é um trabalho de continuidade destas pessoas que armaram o campo para a gente. Prepararam o terreno para estarmos aqui hoje. No momento que surgiu a proposta arrepiou. Então, realmente estas homenagens fazem sentido dentro deste projeto que tem uma pegada histórica por ser, felizmente ou infelizmente, o primeiro festival de jazz de Campo Grande.
Quais são os músicos que vocês apontam como referência de jazz em Mato Grosso do Sul e que contribuíram para divulgar este estilo musical no Estado, especialmente em Campo Grande?
Adriel Santos: Eu comecei fazendo “black music” em Campo Grande com o grupo Aldeia Black, que eu fazia parte. Eu sempre via nos saraus grandes músicos que Mato Grosso do Sul formou e que estão espalhados pelo mundo. Um deles é o Antônio Porto, que para mim é uma grande inspiração e um dos primeiros que eu vi fazendo jazz em Campo Grande. Tem também o Adriano Magoo, grande pianista que admiro demais também. Outros artistas que fazem jazz há muito tempo, como os bateristas Sandro Moreno e Wlajones Carvalho, que começaram cedo e se tornaram grandes músicos. Artistas de outras gerações, antes da minha, como o Miguelito, que respira música, sabe das coisas e nunca deixou cair a bandeira da música instrumental.
Como é fazer o primeiro festival dedicado integralmente ao jazz em Campo Grande, com convidados internacionais, um evento que já nasce histórico para a cidade?
Adriel Santos: É um marco grande já que estamos em 2024 e nunca houve um festival de jazz na cidade que tem 124 anos. Me sinto honrado e com uma responsabilidade bem grande nas costas para conseguir entregar um festival com excelência. Eu gosto de fazer tudo do melhor jeito possível e este festival não vai ser diferente. Quero, por exemplo, que as pessoas sintam o gostinho do jazz nova-iorquino aqui em Campo Grande.
Quando estamos na produção de algo é difícil ter uma noção histórica do acontecimento. Como é fazer algo inovador para a cena musical da Capital?
Franciella Cavalhieri: Fazer este festival neste momento em que a Humanidade viveu tanta coisa, assim como nós mesmos, tem a ver com “reexistência”, no sentido de existir todo dia e se esforçar para fazer o que tem que ser feito enquanto artista e produtor. Fazer o que faz sentido para a nossa vida e que pode fazer sentido também para a sociedade, pela pessoa que for atravessada por esta ação. A importância para a gente estar neste lugar de também mais localmente em Campo Grande, fora dos grandes centros, com a questão da memória sempre sendo afastada da população e um festival como este nos fortalece enquanto artistas e produtores para continuar firme em Mato Grosso do Sul e não sair deste território com uma natureza e uma cultura muito inspiradoras.
Como o jazz influencia a convivência de vocês, já que além de artistas e produtores são casados também?
Adriel Santos: A Fran é o coração do festival. Ela escreveu o projeto e participou de tudo. Viu tudo nascer. Eu confio plenamente em sua condução na produção do festival. Também estamos pensando em ter uma intervenção de dança em algum momento da programação e acho que vai rolar.
Informações sobre o festival no @campograndejazzfestival
Matula Comunicação