Os dados oficiais são ainda do último Censo Demográfico, de 2010, já que ainda não foram divulgados os números sobre a população com deficiência no levantamento que está sendo feito desde 2022. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 506 mil cegos no Brasil. Essa parcela da população historicamente tem à disposição uma baixa oferta de material de leitura.
O avanço tecnológico facilitou em muito o acesso à informação, principalmente com a criação dos leitores de tela, programas de computador que convertem o texto em áudio e permitem à pessoa cega navegar na internet. Mas um código inventado há 197 anos ainda é indispensável à educação e à inclusão dessas pessoas.
— Toda essa tecnologia que existe é bem-vinda, mas não substitui o braile. No braile, você efetivamente lê, você tem contato com a ortografia. Se você acabar com o braile, você vai acabar causando um problema muito sério para a alfabetização e futuramente para a empregabilidade, porque uma pessoa mal alfabetizada não vai conseguir uma vaga qualificada — afirma Markiano Charan Filho, que é cego e preside a Associação de Deficientes Visuais e Amigos (Adeva), de São Paulo (SP).
A instituição existe desde 1978 e tem como missão incluir a pessoa com deficiência visual, principalmente no trabalho, com cursos profissionalizantes e de reabilitação — neste último caso, para os que enxergavam e perderam a visão.
A Adeva é uma das 119 instituições que recebem mensalmente o Senado Notícias em Braile, produzido pela Agência Senado. São 116 entidades no Brasil e outras três em Portugal, entre associações ligadas às pessoas com deficiências, bibliotecas públicas e universidades.
Neste mês de maio, a publicação completa 15 anos. Até o final de 2019, ela se chamava Jornal do Senado em Braile e trazia um resumo mensal das notícias publicadas no Jornal do Senado impresso em tinta. Com o fim do impresso, o braile mudou de nome, passando a reunir as reportagens mais importantes publicadas no Portal Senado Notícias, também editado pela Agência Senado.
No final de 2021, uma pesquisa realizada em parceria com o Instituto DataSenado junto ao público-alvo motivou uma reformulação editorial para aproximar ao máximo o conteúdo dos interesses dos leitores.
— Ajustamos nossos conteúdos para oferecer mais notícias sobre acessibilidade e direitos das pessoas com deficiências. Estamos sempre atentos para ampliar e melhorar esses serviços à população — afirma Paola Lima, diretora da Agência.
O compilado das notícias publicadas no Portal Senado Notícias também reúne as principais aprovações de projetos pelo Senado, as sanções de lei e reportagens especiais, principalmente sobre história e cidadania.
— Hoje em dia muita gente não está utilizando mais o braile, por conta da acessibilidade na informática. Mas, para quem gosta de ler, o Senado Notícias em Braile é muito bom. Deixa a gente por dentro das leis, do que está mudando no nosso país — opina a leitora Gessica Oliveira, que mora em Rondonópolis (MT) e tem acesso à publicação na biblioteca da Associação de Deficientes Visuais da cidade. Ela tem 31 anos e perdeu a visão aos 15.
Também frequentador assíduo dessa biblioteca, Bruno Marques Antunes, 29 anos, é cego desde os 12. Ele considera a escrita em braile uma ferramenta insubstituível para a informação desse público.
— Quando eu perdi a visão e comecei a ser realfabetizado, eu fui direto pro braile. Quando a pessoa está lendo em braile, ela consegue viajar mais no que está acontecendo, ela consegue entender mais. É diferente de quando uma pessoa está narrando — explica.
Outro leitor do Senado Notícias em Braile, o massoterapeuta Jackson Bulhões, de São Luís, é presidente do Centro Desportivo Maranhense de Cegos.
— De negativo eu não tenho nada [a apontar]. Eu gosto da publicação, das notícias. O braile [o relevo] é muito vivo, a qualidade da encadernação é boa — avalia.
Érica Prates Camillo é paratleta de natação, tem 14 anos e perdeu a visão há três. Cursa o 9º ano numa escola inclusiva. Hoje já domina o braile, que aprendeu na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais de Caxias do Sul (RS). Ela “acha interessante saber o que está acontecendo no Senado” e também elogia as qualidades físicas do Senado Notícias em Braile: “A parte táctil e o relevo são bons”.
A professora de braile de Érica, Amanda Franscisco da Silva, que é vidente, afirma que conhecer esse sistema de leitura é fundamental.
— Vamos pensar no cotidiano. A pessoa com cegueira precisa ir a uma farmácia. Nas caixinhas de remédio tem as informações em braile. É muito importante aprender. Sem dúvida, faz toda a diferença. Não dá pra depender só de suporte de áudio.
Fonte: Agência Senado
Paola Lima, diretora da Agência Senado: pesquisa identificou preferências dos leitores e orientou ajustes na publicação Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Serviço especializado
Os elogios sobre as características físicas do Senado Notícias em Braile são mérito da Secretaria de Editoração e Publicações, a editora do Senado. Há um setor específico, o Serviço de Impressão em Braile, para cuidar das mais de 100 obras que compõem o catálogo elaborado nesse sistema e que podem ser solicitadas e reimpressas sob demanda com pequena tiragem.
No caso do Senado Notícias em Braile, o capricho fica evidente pelo uso de papel especial, mais grosso e resistente, e pela encadernação com espiral para facilitar o manuseio. A boa qualidade da impressão objetiva mantê-la intacta para que o maior número possível de pessoas possa ler sem que os pontinhos impressos percam o relevo ao longo do tempo.
Como a impressão em braile também é feita dos dois lados de cada folha, é essencial que os pontos em relevo não “vazem” de um lado para o outro. Daí a importância de usar na impressão um papel de maior gramatura, medida que identifica a densidade, ou simplesmente, a grossura do papel.
O Serviço de Impressão em Braile é chefiado por Marinete Brito e composto por outras sete pessoas. São dois responsáveis por fazer a transcrição do arquivo de texto fornecido pela Agência Senado, com o uso do programa de computador Braille Fácil, aplicando todas as padronizações necessárias. Há também quatro revisores da escrita em braile, todos cegos, e um impressor. O trabalho de produção gráfica da tiragem de cerca de 120 exemplares de 100 páginas leva em torno de uma semana.
— Estou orgulhosa de estar aqui desde o início, de poder ajudar, poder contribuir — diz Marinete, que considera o trabalho realizado pelo setor como de grande utilidade pública, principalmente em cidades pequenas, onde nem sempre é fácil para a pessoa cega acessar a internet.
Anderson de Castro trabalha na transcrição para braile desde o início da publicação.
— É o único jornal impresso em braile no Brasil de que a gente tem notícia. É muito gratificante, porque a gente está ajudando bastante para a acessibilidade no país. O material em braile ajuda muito o cego a se tornar independente — aponta.
Entre os revisores das páginas já transcritas para o braile, o mais antigo é Jacob Luiz de Souza, cego de nascença, que trabalha com a publicação desde o início, há 15 anos.
— Eu tive o privilégio de revisar o primeiro jornal. É muito gratificante porque a gente [a pessoa com deficiência visual] é muito dependente das outras pessoas para quase tudo. Mas, dentro das nossas possibilidades, temos o mesmo direito que as outras pessoas de estar bem-informados — opina.
Também revisora de textos em braile, Joana Maria de Vasconcelos destaca o alcance do Senado Notícias em Braile.
— Ele chega até o interior, chega nas escolas. Para mim, que já fui professora, isso é muito relevante. Na primeira vez que eu li o Jornal do Senado, antes de ser revisora aqui, fiquei muito emocionada, porque as notícias chegaram até mim de uma forma que eu poderia ler sozinha, sem ninguém ler pra mim.
Karina de Almeida Braga, que também faz parte da equipe de revisores em braile, aponta outro aspecto importante: o acesso ao noticiário e às outras publicações do Senado para as pessoas cegas que se preparam para concursos públicos.
— Eu estudo para concurso, e hoje em dia a gente está tendo muito acesso às informações. Nas provas, cai [o conteúdo] “atualidades”. E o jornal faz um resumo.
A outra integrante do time de pessoas cegas que revisam as publicações em braile do Senado é Sheila Maria Guimarães, bibliotecária. Segundo ela, “a informação está se tornando cada vez mais acessível por vários meios” para os que têm deficiência visual.
— Hoje só não lê quem não busca a leitura.
Como começou
Em 2006, o Senado publicou uma edição-piloto do jornal em braile. A ideia de criar uma seleção de notícias para o público com deficiência visual surgiu a partir de contatos da jornalista Treici Schwengber com instituições ligadas a pessoas com deficiência na produção de uma seção periódica do jornal, o Especial Cidadania.
— Foi muito especial participar desse projeto. O Jornal do Senado em Braile foi uma consequência natural do Especial Cidadania. Por meio das cartas e mensagens encaminhadas para o Jornal do Senado, era claro o grande interesse pela Casa legislativa e a carência e desejo dos cidadãos, especialmente aqueles que viviam fora dos grandes centros, por entender o sistema político, além de conhecer e usufruir das diversas políticas públicas — lembra.
Mas a publicação regular do noticiário em braile só começou em maio de 2008, quando o jornalista Davi Emerich era diretor do Jornal do Senado.
— A ideia de produzir o jornal em braile já estava no ar, já havia sido concebida, mas não tinha sido tirada do papel. Fizemos um cadastro nacional de entidades para remessa postal e começamos a tirar o jornal mensalmente — recorda. — Ele cumpre um papel muito importante naquelas entidades de pessoas com deficiência visual como instrumento de aprendizagem da leitura do braile. Nós passamos a oferecer uma leitura atraente.
O jornalista Eduardo Leão foi editor do número 1. Ele conta que um acordo com os Correios possibilitou a remessa postal sem custo para o Senado, o que facilitou a implementação do produto. Outro fator foi a expansão, naquela época, do Serviço de Impressão em Braile, então chefiado por um servidor cego, Paulo Brandão, que deu total apoio.
Segundo Leão, “ainda que tivesse uma tiragem pequena, tinha um sentido de cidadania, de inclusão”
— Mesmo atingindo um número reduzido de pessoas, fazia sentido para as pessoas que eram alfabetizadas em braile saberem o que acontecia no Senado, principalmente as decisões da Casa.
Quinze anos depois, o espírito continua o mesmo.
— Em nosso papel de agência pública, temos a preocupação de sermos o mais inclusivos possível na distribuição das notícias do que acontece no Senado. O Senado Notícias em Braile é uma das publicações de que mais nos orgulhamos — afirma Paola Lima, diretora da Agência Senado.
Outras obras
Diretor da Secretaria de Editoração e Publicações do Senado, Rafael Chervenski afirma que a editora é hoje a principal do país em volume de publicações em braile. Estão disponíveis mais de 100 obras, muitas já transcritas e prontas para impressão em braile sob demanda. Há muitos textos de leis, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Constituição, que tem oito volumes. Mas também estão disponíveis publicações de interesse cultural e literatura.
— Toda publicação que sai em tinta no Senado Federal hoje é transcrita para o sistema braile. Essa é uma iniciativa que a gente adotou, que foi determinada pelo Plano de Acessibilidade vigente no Senado — explica Chervenski.
Com isso, o Senado cumpre também o comando da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), que determina que o poder público deve adotar mecanismos de incentivo à edição de livros em formatos acessíveis.
Para conhecer as obras publicadas pela Casa basta acessar o site da Livraria do Senado. A impressão em braile sob demanda tem baixa tiragem e pode ser solicitada apenas por instituições, sejam públicas ou privadas.
A relação das obras prontas para impressão, de atendimento mais rápido, está disponível na página Publicações em Braile.
Para mais informações, é possível entrar em contato com o Serviço de Impressão em Braile pelo e-mail braille@senado.leg.br ou pelo telefone (61) 3303-4079.
Mais ações
O Senado Notícias em Braile se insere no Plano de Acessibilidade do Senado, ferramenta de gestão utilizada desde 2016, renovada a cada dois anos, para planejar e monitorar as ações de promoção de inclusão das pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida.
O plano é monitorado pelo Núcleo de Coordenação de Ações Socioambientais (NCas), chefiado por Humberto Formiga, e envolve toda a Casa, num total de 17 secretarias. No documento referente ao biênio 2022/2023 estão previstas 82 iniciativas.
— O Senado Notícias em Braile é um marco temporal importante na implantação da Política de Acessibilidade do Senado. O NCas faz o acompanhamento periódico das publicações para sugerir correções e melhorias, mantendo a ação em um ciclo de melhoria contínua. As ações hoje se expandiram em direção à garantia de recursos de acessibilidade em todos os portais de comunicação do Senado, de tal forma que os leitores de tela eletrônicos auxiliam o acesso de pessoas com deficiência visual aos conteúdos jornalísticos na rede mundial de computadores. No entanto, muitas pessoas cegas foram alfabetizadas em braile e mantêm esse hábito da leitura. Dessa forma, essas tecnologias coexistirão — afirma Humberto.
Segundo ele, o Senado Notícias em Braile é uma iniciativa única do gênero.
— O Senado faz parte de uma rede de acessibilidade da qual participam outras instituições federais, entre elas a Câmara dos Deputados, o STJ, o STF, o TCU e o TJDFT. Essas instituições foram consultadas sobre a existência desse tipo de serviço e nenhum desses órgãos confirmou a existência de produto similar.
Ele destaca outras ações do Senado previstas no Plano de Acessibilidade: serviços de empréstimos de cadeira de rodas e triciclos motorizados, para servidores e visitantes; e disponibilidade de vídeos institucionais com janela de Libras e com legendas nos eventos virtuais promovidos pelo NCAS. Além desses serviços, na Biblioteca do Senado estão disponíveis para empréstimo os óculos especiais que tornam acessível o conteúdo de qualquer livro para as pessoas com deficiência visual.
História do braile
O sistema de leitura tátil de pontos em relevo que permite a leitura às pessoas cegas foi inventado em 1825 pelo francês Louis Braille (1809-1852). Ele perdeu a visão aos três anos de idade após um acidente doméstico. O código se baseia na combinação de seis pontos dispostos em duas colunas e três linhas. O sistema é composto de 63 caracteres, que representam as letras do alfabeto, os números, os sinais de pontuação e acentuação, além da simbologia científica, musicográfica, fonética e informática.
O dia de nascimento do inventor, 4 de janeiro, é o Dia Mundial do Braile. Já o Dia Nacional do Braile homenageia o jovem cego José Álvares de Azevedo, nascido em 8 de abril de 1834, que trouxe o sistema para o Brasil, primeiro país da América Latina a adotá-lo, em 1850.
Fonte: Agência Senado